Instalação “Em construção”
São Pedro de Penaferrim, Casa-atelier de Mário Rita (18 jan. – 22 fev. 2025)1
Escrevo por entre andaimes,
ando por entre versos. Uma ideia de
construção ergue-se no
meio de palavras e tijolos.
Nuno Júdice2
O processo criativo é, em Mário Rita, o sentido de algo que ainda não está concluído, que nada é tido como definitivo. Dessa constatação e suportado pela epígrafe de Nuno Júdice, surgiu o título “Em construção” para a instalação apresentada a pretexto da abertura da casa-atelier.

S. Pedro de Penaferrim, Casa-atelier Mário Rita
A sublinhar esse sentido de provisório ou de inacabado, o título foi manuscrito pelo artista, numa das paredes laterais do espaço, logo após a entrada dos primeiros visitantes. Como se diz na folha de sala “Em construção” é uma metáfora da vida que, em Mário Rita, ganha um significado mais denso percetível nas suas obras.

Foto: Luís Neves
“Em construção” é o destino do homem que se refaz e se transforma na busca da perfeição que sabe inalcançável. Este desígnio inspirou a narrativa expositiva, entre a sombra e a luz, entre o sofrimento da morte, ou da expiação da culpa, e o renascimento da inocência. Uma série de andaimes criam o cenário e enquadram as obras expostas, acrescentando-lhe um tom de efemeridade. Fazem igualmente a ligação ao espaço íntimo e aos andaimes cheios de livros que desde o palco, o lugar público da representação, se prolongam pelo piso superior, onde se adivinha o espaço íntimo do artista, numa ligação que se assume indissociável.

Mário Rita, 2020
São Pedro de Penaferrim, Casa-atelier Mário Rita
O desenho “Descida da cruz”, suspenso de um andaime, a descer da cobertura até se estender pelo chão marca a axialidade do espaço e, também, desta instalação. A cruz, o eixo dentro do eixo, não é visível, mas subentendível, subjacente ao corpo que sucessivamente se dilui na descida. Nada é definitivo, tal como muito pouco é verdadeiramente concreto e definido para lá do gesto que insinua as formas do desenho sobre o papel. Nítido, há um escadote – tema recorrente na pintura de Mário Rita e que reforça o sentido de construção – reprodução do objeto real que se encontra junto aos andaimes com um rolo de corda em cima. Nítidos, são também os sapatos que preenchem o campo inferior do desenho, na parte que assenta diretamente sobre o chão.
O movimento é descendente, a partir das sombras negras que dominam o topo: o chão é o ponto de chegada. E, simultaneamente, é também o ponto da partida num caminho que se faz de pés nus. Para trás, ficam também os “Sudários”, os dois desenhos, igualmente suspensos à frente de andaimes de diferentes alturas, que ladeiam a “Descida da Cruz”. A composição visual alude à iconografia convencional do Calvário, com a cruz de Cristo ladeada pelas dos dois ladrões igualmente condenados. Porém, aqui, a leitura não é cristológica, mas humana e espiritual. É o homem que, na sua queda, se despoja das vestes e se descalça rumo a um horizonte onírico. Os pés descalços, de resto, estão, em colagem, na pintura “O Homem Novo”, estabelecendo a continuidade entre ambas as obras.

Mário Rita
São Pedro de Penaferrim, Casa-atelier Mário Rita
Nesse horizonte, pontifica “ O Novo Homem”, figurado como um busto de jovem, num exímio exercício retratístico, pintado sobre uma colcha de brocado de seda creme. Face às sombras, a luz do renascimento; face à expiação, a inocência dos olhos vendados – outra figuração recorrente em Mário Rita – ainda não contaminados pela realidade do quotidiano e que, enquanto assim se mantiverem, garantem que o “Novo Homem” permanece incólume.
Os olhos vendados são o indício da interioridade do homem que se descobre como “novo”. Mário Rita é o paradigma deste “novo” que surge e, aqui, se deixa descobrir, aproximando-se do lugar derradeiro da sabedoria, descobrindo que é, em si, que a pode encontrar. Poderá haver novas trevas e novas descidas, mas Mário tem o dom de se renovar, numa perpétua construção, sabendo que é esse o sentido da vida.
Esta eterno devir é posto em confronto com uma seleção de três obras da série ciprestes, também eles, em contínua transformação, ladeando o título “Em construção”, assumindo a contraditória redundância da permanente mutação.
Por entre a densidade das suas criações, por entre desassossegos e perplexidades, contidos recolhimentos ou serenas meditações, Mário Rita conduz-nos dentro do nosso universo. Através da contemplação e em silêncio, vamos ao nosso encontro. Para lá do deslumbramento de o termos encontrado.
- Abertura: 3.as e 5.as, das 16h às 19h; sábados, das 16h às 22h [↩]
- In Júdice, Nuno. (2001). Cartografia de emoções. Lisboa: Dom Quixote. [↩]
OpenEdition sugere que esta publicação seja citada da seguinte forma:
Maria Isabel Roque (21 de Janeiro de 2025). Em construção, a imanência da transformação. a.muse.arte. Recuperado em 28 de Março de 2025 de https://doi.org/10.58079/1343m
Non conoscevo questo artista che mi sembra meraviglioso e vorrei conoscere di più.