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Ao (re)encontro de Mário Rita e dos seus lugares

Mário Rita queria espaço. Um lugar inspirador e amplo, capaz de acolher a sua enorme criatividade.

Sociedade União 1.º de Dezembro, em 2020: fachada
São Pedro de Penaferrim

Um dia, encontrou um teatro abandonado, em ruínas, com o telhado caído sobre o palco, as paredes grafitadas, o mofo que subia por todo o lado onde a chuva caía e, sobre tudo isto, uma luz que o invadia e cobria com um manto de inefável encanto.

Ruínas do teatro da Sociedade União 1.º de Dezembro em 2019: vista sobre o palco sem cobertura
São Pedro de Penaferrim

Mário Rita, que queria espaço, forjou um sonho. Acreditou que, ali seria possível viver, trabalhar, criar e ser. Durante anos de lutas e desânimos, de vitórias e derrotas, de avanços e recuos, de muitos e sucessivos atrasos, mas sem indecisões, construiu o sonho a que ali se permitira.

Trabalhos de reabilitação na antiga sede da Sociedade União 1.º de Dezembro, em julho de 2022
São Pedro de Penaferrim

Recuperou e limpou o que estava sujo e degradado, reergueu as paredes, reconstruiu o teto, mas manteve o espaço amplo que outrora fora a plateia, o palco, o varandim do balcão e, num painel de azulejos no topo da fachada, a inscrição “Sociedade União 1.º de Dezembro”1. Manteve a memória do lugar, apesar de aí construir os seus espaços.

Trabalhos de reabilitação na antiga sede da Sociedade União 1.º de Dezembro, em julho de 2023<br /> São Pedro de Penaferrim

Num equilíbrio sensível entre a traça original e a estética contemporânea, surgiu a casa-atelier, o lugar onde lhe cabe a vida toda.

Com a noção de que aquilo que faz parte da memória e da identidade do lugar se esquiva a uma posse exclusiva, percecionando o sentido de pertença da comunidade, Mário Rita, sem prescindir da casa que é a sua, quer devolvê-lo a quem outrora o usou como espaço de espetáculos, de teatro, música e dança, e dar-lhe uma nova utilidade cultural ao serviço das artes. O primeiro passo é a abertura, no próximo dia 18 de janeiro, da casa-atelier a quem quiser entrar e ver a sua arte.

Casa-atelier de Mário Rita, em dezembro de 2024
São Pedro de Penaferrim

Para um artista que se exprime através da introspeção e da expressão que determina o gesto no ato de desenhar e pintar, esta partilha pode transformar-se num conflito interno entre a timidez onde se esconde e a determinação de abrir as portas do seu mundo privado e íntimo.

É, também, um pretexto para desvendar a sua obra multifacetada e profícua, entre linguagens abstratas ou figurativas, as cores vibrantes ou sombrias, texturas que se sobrepõem, composições definidas ou caóticas, entre o que mostra e o que esconde, convocando a contemplação ou a introspeção que o artista nos comunica. Entre a forma visível e o conceito subjetivo, apropriamo-nos da sua forma de olhar e sentir.

Atelier de Mário Rita
(imagem a partir de um vídeo de Miguel Justino), Junho de 2024

Numa frase que se comprovou ser premonitória, Eurico Gonçalves, em 1997, descreveu-o como “pintor de inegável qualidade e força expressiva, num âmbito de neo-expressionismo gestual” (p. 2). Através de tudo o que fez, das diferentes séries de desenhos e pinturas, dos títulos que mais intrigam do que elucidam, dos sucessivos momentos da sua história, há na expressão aliada ao gesto, a exteriorização do que lhe vai na alma e que, de alguma forma ou em algum ponto, coincidem com a nossa mais íntima biografia. A conferir, a 18 de janeiro.

Referência:
Gonçalves, E. (1997). Neo-expressiosmo gestual: “A pintura puxa por mim”. Mário Rita pintura (catálogo da exposição na Galeria Enes, maio 97, pp. 2-3). Lisboa: Galeria Enes.

  1. A Sociedade Filarmónica União 1º Dezembro foi fundada no dia 1 de Dezembro de 1880, por foral de D. Carlos, Rei de Portugal, com propósitos de instrução e recreio. Até 1920, manteve a Real Filarmónica da Sociedade União 1º Dezembro, que abrilhantava os bailes da Sociedade. []

OpenEdition sugere que esta publicação seja citada da seguinte forma:
Maria Isabel Roque (7 de Janeiro de 2025). Ao (re)encontro de Mário Rita e dos seus lugares. a.muse.arte. Recuperado em 28 de Março de 2025 de https://doi.org/10.58079/131d3


7 comentários em “Ao (re)encontro de Mário Rita e dos seus lugares”

  1. Um sítio que perturba e acalma. Como uma pintura a desvendar. E, lá fora, os plátanos que abraçam sempre.

  2. Lembrar EURICO GONÇALVES e o apoio que proporcionou a muitos jovens artistas (esquecendo-se tantas vezes de si próprio), nunca será demais! Eurico soube descobrir-te! Parabéns Mário Rita ! Um abraço,
    Dalila d’Alte

  3. Muitos parabéns Mário Rita, a recuperação ficou perfeita. Espero em breve poder visitá-la e ver a sua obra.

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